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Conhecimento

da habitação

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Por: Marco Allegra, 2019
Hoje, o que constitui a noção de “conhecimento especialista” e o seu papel no processo político tornou-se significativamente mais matizado do que era no passado.



Desde o início dos anos 90, as ciências sociais abandonaram a antiga crença positivista sobre a experiência como sendo algo neutro, racional e pré-fabricada, em favor do que Robert Hoppe (1999) batizou como sendo uma viragem “argumentativa” de questionamento político, enfatizando o aspeto contextual, discursivo e relacional das políticas. Baseado em trabalho realizado nas últimas duas décadas em campos como a análise política (Wagenaar 2011), planeamento (Friedman 2005) e estudos sobre habitação (Allen et al 2004), o exPERts interpreta o processo político não como um conjunto de procedimentos implementados para alcançar objetivos sociais indisputáveis, mas como uma construção sociopolítica, cuja dinâmica se encontra estritamente dependente do ambiente do campo de relações sobre os quais atua.

Técnicos municipais visitam bairro de barracas em Oeiras, 1993. Fotografia: Câmara Municipal de Oeiras.



Se é este o caso, a maneira como o conhecimento é socialmente construído e mobilizado no processo político representa não apenas uma preocupação teórica urgente, como é também um desafio crucial das sociedades democráticas. De facto, os especialistas têm sido caracterizados como mediadores “operando entre enquadramentos analíticos disponíveis de ciência social, resultados políticos específicos, e as diferentes perspetivas dos atores públicos” (Fischer 2009: 11). Os peritos – tal como o “deliberative practitioner” de Forester (1999) e o “post-empiricist expert” de Fischer (2009) devem assim reconhecer o carácter “contingente e negociado” do seu próprio conhecimento especialista, deixando “a porta aberta para discussão crítica” (Jasanoff 2003: 160).

O que significa para a nossa investigação o Programa Especial de Realojamento (PER)?


Em primeiro lugar, seguindo uma perspetiva social construtivista, o exPERts interpreta o conhecimento como sendo um produto social que é negociado entre diferentes atores do processo político. “Conhecimento”, deste ponto de vista, é diferente de “informação”: a última pode ser armazenada em diferentes dispositivos (livros, artigos, discos rígidos, etc.), enquanto que o primeiro requer “conhecedores” – ou seja, só pode ser armazenado em indivíduos e nos grupos e instituições que estes formam (Wagenaar and Cook 2003: 152). De uma perspetiva empírica, a investigação do exPERts não se limitou apenas a recolher uma vasta quantidade de informação sobre o PER, mas também se focou em ideias que influenciaram a sua conceção e a sua implementação (como paradigmas políticos, discursos e modelos), bem como na geografia de atores e instituições que de alguma maneira contribuíram para criar conhecimento político relevante (por exemplo, a cultura administrativa do município, a presença de consultores ou de parceiros do terceiro setor, etc.).


Segundo, utilizámos a ideia dos “especialistas” de modo abrangente, incluindo todas as pessoas que participaram no processo político devido à sua qualificação profissional – os nossos peritos são assim “profissionais” mais do que “cientistas”, ou seja, pessoas que aplicam um “particular corpo de conhecimentos, competências e técnicas aos problemas encarados pelos seus clientes” (Fischer, 2009: 18). Empiricamente, conduzimos cerca de 70 entrevistas com funcionários públicos, académicos, políticos e residentes – especialmente nos dois municípios que escolhemos como estudos de caso, Cascais e Lisboa. Em cada município, o nosso primeiro objetivo foi identificar o grupo nuclear (constituído principalmente por funcionários públicos) responsáveis pela implementação do PER localmente.


Através desta estratégia, tentámos perceber como os paradigmas políticos, práticas e técnicas são adotadas em (e adaptadas para) contextos específicos e setores políticos; como um conjunto específico de conhecimento profissional e competências é reunido, construído e mobilizado para suportar o processo político; e como a calendarização e o contexto desta adoção influencia as dinâmicas de produção de políticas urbanas e os seus resultados. Paralelamente, tentámos descrever a contribuição dos especialistas no processo político para além das estreitas fronteiras da sua formação profissional ou do seu papel formal. Os especialistas poderão juntar-se à arena política apoiando-se no seu conhecimento de algum tipo de conhecimento profissional; a sua agência, todavia, também é organizada através de julgamentos práticos, da criação de alianças, lobbying e ativismo político e, no geral, num uso estratégico do seu estatuto e conhecimento profissional.


Referências:
Allen, J., Barlow, J., Leal, J., Maloutas, T., & Padovani, L. (2004). Housing and Welfare in Southern Europe. Oxford: Blackwell.
Fischer F (2009). Democracy and Expertise: Reorienting Policy Inquiry. Oxford: Oxford University Press.
Forester, J. (1999). The Deliberative Practitioner: Encouraging Participatory Planning Processes. Cambridge (Mass.): MIT Press.
Friedmann, J. (2005). Planning Cultures in Transition. In B. Sanyal (Ed.), Comparative Planning Cultures (pp. 29-44). New York: Routledge.
Hoppe R. (1999). Policy Analysis, Science and Politics: From ‘Speaking Truth to Power’ to ‘Making Sense Together’, Science and Public Policy, 26(3), 201-210.
Jasanoff, S. (2003). (No?) Accounting for Expertise. Science and Public Policy, 30, 157-162.
Wagenaar, H. (2011). Meaning in Action: Interpretation and Dialogue in Policy Analysis. Armonk (NY) and London: ME Sharpe.
Wagenaar, H., & Cook, S. D. N. (2003). Understanding Policy Practices: Action, Dialectic and Deliberation in Policy Analysis. In M. Hajer & H. Wagenaar (Eds.), Deliberative Policy Analysis. Understanding Governance in the Network Society (pp. 139-171). Cambridge: Cambridge University Press.