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Primeiro, o estatuto da cidade enquanto capital do país e a escala da construção informal tornou Lisboa num centro importante do debate sobre questões habitacionais. A partir do início dos anos oitenta, instituições e grupos sediados na capital, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), e em particular no seu Grupo de Ecologia Social, contribuíram para a formação de uma consciência precoce sobre a urgência do problema das barracas – bem como sobre os modos de abordar a conceção e a implementação de políticas habitacionais. Entre as figuras principais deste período, destaca-se o recém-falecido António Fonseca Ferreira, editor da revista Sociedade e Território (que publicou dois importantes dossiers sobre o tema da construção informal, em 1984 e 1994), e coordenador do grupo de peritos que publicou o chamado Livro Branco da Habitação (1991), que antecipou o lançamento do PER.
Segundo, no início dos anos noventa, Lisboa revestia-se de um interesse central para importantes investimentos estruturais que marcaram a década em que Portugal aderiu à Comunidade Económica Europeia (1986). Em junho de 1992 Lisboa foi escolhida como cidade anfitriã da Expo 98, que envolveu um plano a grande escala de renovação da área onde o bairro do Parque das Nações foi construído, incluindo também a construção da nova estação de comboios do Oriente e a da Ponte Vasco da Gama sobre o rio Tejo. Algumas destas operações (por exemplo, a construção da CRIL) tiveram um impacto direto nas áreas onde surgiram bairros informais.
Terceiro, no mesmo período, as periferias de Lisboa – e, inicialmente, as barracas – tornaram-se cada vez mais um objeto de atenção mediática. Episódios de despejos de residentes destes bairros (como no caso do Prior Velho e de Camarate, em 1992 e 1993, respetivamente) originaram manifestações populares que pressionavam o governo de centro-direita, às quais o partido socialista facilmente aderiu: as barracas tornaram-se num tema chave tanto para o presidente Mário Soares e para a sua “presidência aberta”, como para o Presidente da Câmara de Lisboa, Jorge Sampaio.
Dito isto, o processo de implementação do PER em Cascais não deixa de ter vários elementos de interesse, que se revelam mais claramente na comparação com Lisboa. Em particular, um elemento-chave do PER Cascais foi a criação duma unidade específica (o chamado “Gabinete PER”, que cresceu até incluir cerca de quarenta membros) para gerir o programa, enquanto noutros casos a gestão do PER foi delegada e dividida entre as estruturas administrativas existentes. Em Lisboa, por exemplo, vários departamentos e divisões da Câmara foram envolvidos na implementação do PER, cada um cumprindo um set mais limitado de tarefas.
Cascais representa também um exemplo peculiar devido ao contributo marcante que vários consultores externos trouxeram ao projeto. Os consultores – entre os quais Isabel Guerra (CET/ISCTE), Michel Bonetti (CSTB, Centre Scientifique et Technique du Bâtiment) e particularmente Maria João Freitas (GES/LNEC) – foram determinantes na definição do conjunto de princípios e metodologias do PER Cascais. Esta “visão” (apresentada no documento “Princípios, cenários e estratégias de intervenção para o PER Cascais”, 1995), subjacente à implementação do PER Cascais, é a origem de elementos substanciais, como por exemplo a escolha de construir vários empreendimentos PER de dimensões limitadas, e dispersos no território.
Em Cascais, estes factores (juntamente com a escala relativamente reduzida das operações de realojamento) contribuiu para o desenvolvimento duma reflexão sistemática sobre a relação entre os princípios orientadores e a sua operacionalização no terreno – e fazendo do Gabinete PER um grupo muito unido que trabalhava como uma unidade orgânica, e cujos membros tendiam a compartilhar uma espécie de ethos comum. Em Lisboa, onde a Câmara tinha uma estrutura muito maior e mais hierárquica, e a escala das operações de realojamento muito maior, as operações de realojamento foram conduzidas de uma forma mais burocrática e a um ritmo mais rápido.